Bloco do Atestado: casos de conjuntivite no Carnaval crescem 1.000%

Só durante o Carnaval, Salvador registrou 191 casos da doença

Por Visual News Notícias 16/02/2018 - 12:05 hs

Desce a novinha, vovó, papai e titia, todo mundo pro consultório médico à procura de atendimento. Quarta-feira de Cinzas chegou, passou e o que mais tem é folião que tá só o pó. Com o fim da farra, chegou a doença da vez que, este ano, parece ser a conjuntivite. Só durante o Carnaval, Salvador registrou 191 casos da doença, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). No ano passado, no mesmo período, foram 17 - aumento de 1.023%.

O apelido dado à doença, por sua vez, fica ao gosto do paciente. “É a ‘No Groove’, né?”, aposta a auxiliar de atendimento Jacivalda Amaral, 47 anos, enquanto aguardava atendimento na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Vale dos Barris. Ela, assim como pelo menos outras sete pessoas, foi à unidade, ontem de manhã, de óculos escuros e com sintomas da inflamação.

O consultor de vendas Sóstenes Paraguaçu, 31, aposta em outra música para nomear os casos. “Só pode ser a onda da Popa da Bunda”, sugere. Ele, que pulou todos os dias do Carnaval, agora reclama da coceira e do excesso de secreção que sai dos olhos. “Começou a coçar na noite de ontem (quarta-feira), foi coçando, coçando...”, descreve. 

Assim como Sóstenes e Jacivalda, Salvador tem bem mais gente nesta época do ano com acesso livre ao “Bloco do Atestado Médico”. De acordo com dados da Associação Brasileira de Recursos Humanos(ABRH), depois da festa da carne e em feriados prolongados,  o número de trabalhadores afastados por atestado sobe para 20%.

Sóstenes não imagina de quem possa ter pego a inflamação. Já Jacivalda acredita que o filho foi o responsável. Ele começou a sentir os primeiros sintomas no domingo, depois de sair pela primeira vez no bloco As Muquiranas e, como não queria desfazer das fantasias, decidiu ir mesmo assim pra avenida no dia seguinte.

 

“Foi de óculos escuros, não queria perder os abadás”, entrega Jacivalda. Ou seja, além da própria mãe, o jovem pode ter contaminado outras pessoas nos circuitos da festa.

 Jacivalda acredita que pegou conjuntivite do filho: ele adoeceu ainda durante o Carnaval (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Glitter

De acordo com o coordenador de Urgência do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) de Salvador, Ivan Paiva, apesar dos casos registrados pelos postos da SMS, é possível que o número de pessoas sofrendo com a conjuntivite seja bem maior.

Isso porque os pacientes podem ter procurado outros postos de atendimento, sem contar os que ainda não apresentaram os sintomas da doença e podem, nos próximos dias, desenvolvê-la.

E de onde vem tanto caso da doença? O glitter, que fez tanto sucesso na folia deste ano, pode ser um dos culpados. Primeiro porque, ao compartilhar o pó, o folião pode ser contaminado com a conjuntivite bacteriana, quando a bactéria fica de protidão para atacar. Também dá para contrair a doença na forma alérgica, quando, por exemplo, um corpo estranho, nesse caso o glitter, irrita o olho do folião.

Já a conjuntivite viral pode ser transmitida pelo beijo, pelo contato maior, no corpo a corpo - o que, convenhamos, é difícil de evitar nesse período do ano. “Além disso, as pessoas costumam exagerar, se alimentando mal, bebendo muita cerveja e isso deixa o sistema imunológico fraco”, acrescenta Ivan.

Segundo ele, os casos neste ano se atenciparam, já que por aqui a festa começou mais cedo. E como é quase impossível evitar o contato em ambientes com grande aglomeração de pessoas, como as festas de largo e o próprio Carnaval, a contaminação se torna bem mais fácil e rápida. 


Viagem adiada
Não foi só a UPA dos Barris que atendeu muita gente. Outras unidades de saúde da capital ficaram cheias. Na UPA do Cabula, durante a tarde, grande parte dos pacientes que aguardavam atendimento reclamou dos sintomas.

Um grupo de seis turistas do Rio Grande do Norte chegou por lá de mala e tudo. Nos rostos, óculos de sol. Siderley Araújo, 40, é de Natal e conta que a companhia aérea impediu que ele embarcasse por conta da doença. No grupo dele, pelo menos três pessoas pegaram conjuntivite. “Eles (a companhia aérea) deram o apoio na remarcação da passagem, mas a gente quem vai ter que pagar o hotel e alimentação”, disse Siderley.

Segunda ela não vai

A cozinheira Luiziane Oliveira, 26, saía da UPA do Vale dos Baris cabisbaixa, evitando a claridade, embora estivesse de ôculos escuros. Nas mãos, o atestado médico comprovava que ela deveria ficar pelo menos cinco dias longe das suas funções. O patrão já estava ciente da sua conjutivite e, por mensagem, ela comprovaria que precisava de repouso.

Aliás, em uma farmácia no Canela, uma das atendentes verificou o aumento na procura por colírio sem receita médica. “Durante o Carnaval foram pelo menos seis pessoas. Em dias normais é difícil alguém comprar o colírio sem a receita. Ano passado foi a gripe, este ano, a conjuntivite”, contou Nanci Lisboa, 35.

Bloco do Atestado

Segundo Tatiana Ferraz, diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos Seccional Bahia (ABRH-BA), não há nenhum problema em apresentar o atestado médico às empresas durante esse período pós-festa. Isso não causaria, por exemplo, uma imagem negativa do funcionário.

Já é esperado pelas empresas, explica a diretora, que seus colaboradores faltem ao trabalho depois dos longos feriados. O que não pode acontecer em hipótese alguma é apresentar ao patrão o atestado falso. Nesse caso é demissão por justa causa. Justíssima.  

Com o atestado seja falso, o funcionário comete o crime de falso atestado médico. Algumas empresas que possuem junta médica, quando verificada a ilegalidade, solicita ao colaborar que refaça os exames.

Postos de saúde ficaram cheios nesta quinta: só no Carnaval, foram 191 casos da infecção (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

 

"Com o atestado falso acaba que o funcionário comete um crime, tanto de atestado falso, como, em alguns casos, de falsidade ideológica, indo muito além do âmbito da empresa", pontua.

E as empresas acabam sentindo esse reflexo. Quando o trabalhador falta sobre para o que está em boas condições e, às vezes, para a própria empresa que muitas vezes precisa arcar, quando posssível, como trabalhadores temporários. 

"Quando não há essa substituição a empresa acaba valorizando um outro funcionário, aí podemos ter um custo de horas extras, por exemplo. Há, sim, um impacto, mas não ainda não temos números de quanto as lojas e empresas perdem com isso", disse Paulo Motta, presidente do Sindicato dos Lojistas da Bahia (Sindilojas).

Apresentar atestado médico falso é crime

Apresentar um atestado médico para a empresa logo após o período do Carnaval não é um problema, de acordo com Tatiana Ferraz, diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos Seccional Bahia (ABRH-BA). Isso não causaria, por exemplo, uma imagem negativa do funcionário.

É que já é esperado pelas empresas, explica a diretora, que seus colaboradores faltem ao trabalho depois dos longos feriados. O que não pode acontecer em hipótese alguma é apresentar ao patrão um atestado falso. Nesse caso, é demissão por justa causa. Justíssima.  

“As empresas não têm o que fazer, caso o atestado seja válido, até porque esse colaborador pode transmitir a doença para todo o quadro de funcionários. Todos os RHs do Brasil estão cientes disso, inclusive o período do Carnaval é conhecido com o Dia Internacional dos Atestados”, afirma a diretora.

  

Caso o atestado seja falso, no entanto, o funcionário comete o crime de Falsidade de Atestado Médico, previsto no Código Penal brasileiro e que implica em detenção de um mês a um ano. Algumas empresas que possuem junta médica, quando verificada a ilegalidade, solicitam ao colaborador que refaça os exames médico.

E as empresas acabam sentindo o reflexo do pós-folia. Quando o trabalhador falta, sobra para o que está em boas condições e, às vezes, para a própria empresa, que muitas vezes precisa arcar, quando possível, com trabalhadores temporários. 

“Quando não há essa substituição, a empresa acaba valorizando um outro funcionário, aí podemos ter um custo de horas extras, por exemplo. Há, sim, um impacto, mas  ainda não temos números de quanto as lojas e empresas perdem com isso”, diz Paulo Motta, presidente do Sindicato dos Lojistas da Bahia (Sindilojas).